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sexta-feira, 30 de março de 2012

boxing painting


O artista japonês, Ushio Shinohara, foi um dos fundadores do movimento neodadaísta, nos anos 1960. Suas performances, pinturas, assemblages e esculturas refletem seu interesse em comunicar intensidade, ação e caos. 




Shinohara colaborou com a criação de diversos salões independentes de arte, completamente abertos ao publico e sem nenhum julgamento dos trabalhos inscritos. Estes salões, ou anti-salões, popularizaram suas assemblages e esculturas, que receberam o nome de “junk art".


Shinohara ficou conhecido como criador da “boxing painting”, técnica na qual o artista embebe luvas de boxe em tinta e literalmente soca papel, tela e outras superfícies com pigmento.


 Atualmente, Shinohara mora nos Estados Unidos, onde continua trabalhando ativamente.

quarta-feira, 28 de março de 2012

gesto de artista

patrícia ferreira - óleo sobre tela

“A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de forma contínua sua relação com o mundo.” (Guattari)

            Eu sempre me considerei uma artista, mesmo antes de saber o que significava ser artista. Sentia um grande impulso para exercitar minha subjetividade, mas acabava me confundindo, reduzindo o valor desse exercício de subjetividade diante da demanda para produzir objetos acabados. Mas a busca pela “beleza”, pelo ornamento, pelo resultado aceitável para o consumo, me causava grande insatisfação. Era como se um poder arrebatador fosse domado pelo ornamento. Lembro-me o quanto me senti satisfeita quando li, num pequeno livro do Gullar, que o Cézanne dizia que “o acabado é o prazer dos imbecis”. A rejeição de Cézanne ao acabado implica na concepção da obra de arte como uma experiência permanentemente aberta, uma incessante busca e uma incessante descoberta. Trata-se da rejeição de normas e soluções preestabelecidas, com o objetivo de manter o frescor e a surpresa da criação artística. É isso que separa o artista do artesão.
            Depois de conhecer o Eduardo Kac, durante um curso de holografia que ele deu aqui em Goiânia, em 1988, essa busca pela experiência e pela invenção só ficou mais intensa. Naquele tempo, o Eduardo Kac já falava de Internet, que, na época, era a Minitel, falava de arte digital, telepresença, bioarte, criação de avatares para fazer arte interativa em rede etc. Isso tudo parecia muito louco e muito excitante. Essas ideias ficaram martelando na minha cabeça de um tanto que acabei fazendo um doutorado, na área de estudos literários, na linha de pesquisa poéticas da modernidade, misturando visualidade, arte e tecnologia. O título da minha  tese é “O Ver Poético: Arnaldo Antunes e Eduardo Kac”. Meu interesse, na tese, era de entender a obra de dois poetas/artistas que lançavam mão de procedimentos computacionais em seus processos criativos. Mas o trabalho não ficou apenas na teoria, para fazê-lo, acabei desenvolvendo um projeto prático, o Di(per)versões Eletrônicas, para entender o que acontecia com a arte e com o artista utilizando esse novo meio que é o computador. 
            Essa experiência com o meio digital mexeu comigo. A estética digital combina com a minha visão da ética do artista. Para mim, o artista não deve se resumir à fabricação de artefatos belos, o artista deve produzir relações com o mundo através de objetos, signos, gestos, formas, tudo ordenado segundo uma visão do mundo e da arte. Eu adoro uma frase do Felix Guattari que diz o seguinte: “a única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de forma contínua sua relação com o mundo”. É isso que eu procuro fazer com minha arte e, de quebra, acabo trabalhando para uma re-significação do real. Mas você pode me perguntar, “como assim?”. De forma a não duplicar os modelos doentios que existem no mundo atual, um dos piores deles sendo as relações do mercado econômico. Quero que todos possam fruir o meu trabalho, tudo que faço está na web. Se alguém gosta de um trabalho meu e quiser colocá-lo na parede, eu dou o trabalho de graça. Na verdade, eu tenho chamado meu trabalho de “gesto de artista”. O gesto pode se fixar numa moldura em alguma parede, mas, a partir de sua digitalização, ele fica pra sempre compartilhado com todos, na sua “aura digitalizada” em bits. Tem um artista italiano, o Piero Manzoni que, em 1961, numa atitude contrária ao mercado e à arte tradicional, inventou o “fôlego de artista”, a obra era literalmente o seu sopro num balão inflado. Imagina o que o Manzoni teria feito se tivesse uma internet?
            Eu criei o blog patworkpat http://patworkpat.blogspot.com/, onde publico meus gestos de artista, como eu denomino minhas pinturas. O bom do patworkpat é que ele não deixa os meus gestos enquadrados na parede, podem até ficar, mas suas almas de bits estão voando por aí e criando outra economia para a minha arte. A imagem digitalizada continua minha, mas também é de todos que queiram compartilhar esse gesto. 


segunda-feira, 26 de março de 2012

Opalka: a visualização do tempo

O artista polonês, Roman Opalka, a partir de 1965, assumiu a tarefa de enumerar de 1 a infinito o curso de sua existência. Sempre utilizando telas de mesmas dimensões, 190cm x 135cm, e pincel número zero, o artista pintava 380 números por dia.
Para cada uma de suas telas, denominadas “detalhes”, a tinta branca com a qual ele traçava a sucessão de números também era aplicada ao fundo, acrescida sempre a um por cento ao fundo de cada tela. Assim, o descoramento progressivo do fundo pintado causava o efeito de um progressivo “desbotamento” dos números.


Antes de pintar, Opalka tirava uma fotografia de seu rosto, vestindo uma invariável camisa branca, a fim de registrar a sua própria degradação física. Enquanto pintava, ele ainda contava os números em voz alta diante de um gravador. 
O ritual do artista revelava a existência como uma forma de desaparecimento tragada pelo informe. Opalka pintou um total de 233 telas. Ele morreu em agosto de 2010 tendo alcançado o número 5.607.249. 

domingo, 25 de março de 2012

pinturas ambulantes, penetrantes e bolidinantes

Hélio Oiticica (1937-1980)

            Hélio Oiticica desenvolve um projeto poético, focado na cor, que funciona como matriz para o abandono do quadro, a invasão do espaço e a incorporação do tempo em suas obras. Seus relevos espaciais, ou quadros de dupla superfície que se dispõem no espaço, levam o observador a caminhar em torno de placas, com a finalidade de apreender a cor em sua relação dinâmica espacial.

Grande núcleo (NC3, NC4 e NC6) - Hélio Oiticica - 1960-66

            A partir de uma visão arquitetônica da cor, Oiticica explora múltiplas direções no espaço, chegando aos parangolés e penetráveis. Segundo Oiticica, o parangolé é uma forma de “antiarte por excelência” e “uma pintura viva e ambulante”.

Parangolé - Hélio Oiticica - 1964

            O penetrável tropicália, não apenas inspirou o nome, mas também ajudou a consolidar a estética do movimento tropicalista na música brasileira. Oiticica o chamava de "primeiríssima tentativa consciente de impor uma imagem "brasileira" ao contexto da vanguarda".

Tropicália - Hélio Oiticica - 1968

            Outras de suas criações, também explorando as propriedades físicas da cor, são os bólides: recipientes cheios de pigmento, água da Praia de Ipanema, asfalto da Avenida Presidente Vargas etc. Segundo o artista, estes são elementos "que espreitam o espaço" esperando o público para detonar experiências estéticas.

Homenagem à Mondrian - Hélio Oiticica - 1965

sábado, 24 de março de 2012

action painting e pintura performática

Yves Klein (1928-1962)
            Antes da consolidação do happening e da performance, na busca pela interdisciplinaridade das artes, alguns artistas já praticavam a arte processual, tendo o processo como princípio. A arte processual, entre outros aspectos, promove a noção do corpo como obra ou do corpo como meio da arte. Levando, assim, à fusão entre a body art e a pintura.
            Nesse momento, o gesto das mãos sobre a tela, o ato de pintar, ganhou uma importância incrível. As pinceladas passaram a existir por sua própria autosuficiencia, deixando de se relacionar com a representação de um dado objeto.
            Com Pollock, por exemplo, a antiga prática da pintura transforma-se num verdadeiro ritual, na mimese dos gestos do artista. Em, “The Legacy of Jackson Pollock”, Allan Kaprow usa pela primeira vez a palavra happening para descrever uma arte que se utiliza de todos os tipos de materiais, e em que a permanência é substituída pelo perecível: a arte do processo. A importância do processo torna os registros metalingüísticos da ação de Pollock, talvez, mais importantes que seus próprios quadros. Esses registros, por meio de fotografias, vídeos e filmes, também colocam Pollock entre os precursores da mídia arte.
 Jackson Pollock (1912-1956)
            A pintura performática já se utilizava de certos meios da performance e do happening apesar de, nesse momento, a construção do conceito ainda não ter teoricamente começado.
            A Antropometria, de Yves Klein, foi um dos meios para se chegar à construção do conceito de performance. Essa prática processual tem por base a mescla entre a body art e a pintura. Nela, o artista utiliza modelos femininas nuas como pincéis humanos para a pintura de enormes telas.

quarta-feira, 21 de março de 2012

deambulação: a arte de perambular

Hamish Fulton - "a walking artist"

A ideologia da racionalização do trabalho submeteu o tempo vivido à lei da produtividade. Depois de Henry Ford, andar a pé, atividade lenta e não remunerada, torna-se quase que
fora da lei. Em sentido contrário ao da sociedade “progressista”, a deambulação (flânerie) baudelairiana, os diários de rota conceituais e as perambulações da land arte, entre outros gestos, elevam o andar a pé ao status de arte plena.

Hamish Fulton, por exemplo, após uma caminhada de 1.022 milhas, fez do andar a pé o único objeto de sua arte. Segundo o artista, sua arte é resultado de suas caminhadas individuais. Embora o artista seja o único a experimentar diretamente essa forma de arte, imagens, objetos recolhidos, fotografias e textos permitem que o público se relacione às experiências do artista.

Em 1967, por sua vez, o artista inglês, Richard Long, caminha em linha reta, indo e voltando, sobre um campo gramado até deixar sua marca. A linha foi fotografada em preto e branco e tornou-se um marco na arte contemporânea, equilibrando-se nos limites entre a performance (ação) e a escultura (objeto).

O artista luso-brasileiro, Arthur Barrio, realiza uma experiência não programada, segundo ele, tendo apenas o cérebro como motor. Trata-se de “4 dias e 4 noites”, obra em que Barrio pretendia levar o corpo a um nível máximo de exaustão que desembocasse, ainda, num patamar máximo de criação.

Barrio perambulava pelas ruas do Rio de Janeiro de modo a fazer suas percepções, apreendidas ao longo de suas experiências, condicionarem sua mente para o trabalho criativo, e o corpo para sua atuação como máquina que executa. Além do corpo e do cérebro, suporte de fundamentação do trabalho, o artista levava apenas um caderno-livro para anotar suas idéias e experiências.

terça-feira, 20 de março de 2012

SAMO IS DEAD (neo-expressionismo)

Jean-Michel Basquiat (1960-1988)

            O mercado artístico americano, dos anos 1970, era dominado pela pop art de Roy Lichtenstein, Cleas Oldenburg, Robert Rauschenberg e Andy Warhol, assim como pela crescente influência da arte conceitual e do minimalismo. Nesse momento, o mercado da arte começava a prosperar de uma maneira impressionante; a arte tornou-se um investimento tal como comprar ações da Bolsa. O público também começava a se cansar do hermetismo do minimalismo, do cinismo da pop art e das especulações auto-suficientes da arte conceitual.
            Na Europa, um renascimento começava a desafiar a noção de que a pintura tinha morrido: o neo-expressionismo. Na Itália surgia a trans-vanguarda e, na Alemanha, “os jovens rebeldes”, com um estilo de pintura neo-expressivo e figurativo. Uma nova geração respondia à frieza intelectual das artes conceitual e minimalista, com pinturas cheias de emoção que não dissimulavam a sua dívida com o idealismo do expressionismo alemão.
            Os galeristas americanos voltam-se aos grafites neo-expressionsitas dos muros do Brooklyn, de Jean-Michel Basquiat, com suas mensagens de identidade cultural, justiça, igualdade social e muita poesia visual. Depois de morar nas ruas, vivendo das vendas de camisetas pintadas à mão, Basquiat ganhou fama meteórica aos 22 anos.
            Em 1977, aos 17 anos, juntamente com Al Diaz, Basquiat começou a fazer grafite em prédios abandonados de Manhattan. A assinatura do duo era sempre a mesma: SAMO ou SAMO shit, abreviação para SAME OLD SHIT. Isso gerou curiosidade e acabou gerando um artigo no Village Voice. Mas, após uma briga entre os amigos, o projeto SAMO acabou com o epitáfio: SAMO IS DEAD.
            Depois de conhecer e estabelecer amizade com Andy Warhol, Basquiat tornou-se uma referência no mundo da arte. Com a morte de Warhol, em 1987, entra em depressão. O consumo exagerado de drogas o leva à morte aos 27 anos, em 1988, quando sua pintura apenas começava a atingir uma pureza técnica.


os corações de Antonio Dias

            O coração de Leonilson com certeza dialoga com os corações de Antonio Dias. Pelo menos com os primeiros corações de tendência pop art que o artista paraibano desenvolve nos anos 1960. Neles, o que fica mais evidente da influência pop, é o uso da estética típica da história em quadrinho. 
            Mas o uso da estética da história dos quadrinhos, em Antonio Dias, nada tem a ver com uma referência à sociedade de consumo e com a utilização das imagens da publicidade e da cultura de massa. A poética particular de Dias vincula-se muito mais com o momento histórico e político brasileiro: golpe militar, tropicalismo, perseguições políticas etc.
            Sangue, morte, violência, sexo, ironia, se misturam ao coração do artista. As tensões da época são incorporadas na obra de Dias de maneira grotesca e confusa. Por isso, as obras desse período recebem, muitas vezes, a denominação de “pop sujo”.
            No entanto, já no final dos anos 1960, a obra de Antonio Dias modifica-se drasticamente. O artista caminha para um terreno mais conceitual, o jogo intelectual torna-se cada vez mais uma característica de seu trabalho.
            Antonio Dias é paraibano, de Campina Grande, nascido em 1944, é um dos maiores artistas brasileiros da atualidade.

 Satélites - Antonio Dias - 2002

segunda-feira, 19 de março de 2012

voilà mon coeur, il vous apartien

Leonilson (1957-1993)

            Acho que ninguém marcou mais meu desejo de me tornar artista do que Leonilson. Nos anos 1980, todo mundo que pensava arte queria saber o que ele falava, quais as técnicas e processos que usava e tudo o que ele pensava sobre a vida. Numa época em que o confessional parecia tão fora de moda e a pintura era tão atacada, ele expôs uma arte que se confundia com sua própria vida, fazia o que sentia, pintava desenhando, pintava bordando, pintava escrevendo, pintava vivendo.
As ruas da cidade – acrílica sobre lona - 1988

            O corpo do artista é motivo dominante em sua obra, sobretudo, o coração. Não é à toa que Adriano Pedrosa diz que todos os trabalhos de Leonilson, quando não são metáforas do seu coração, são metonímias de seu próprio corpo. No entanto, expor o coração pode ser um ato doloro. O artista expõe sua intimidade compreendendo, sem ingenuidade, que arte também é mercadoria e que o coração do artista tem que suportar ser colocado à venda.

Os pensamentos do coração - acrílico sobre lona - 1988

            Em “Voilà mon coeur”, de 1989, Leonilson oferece seu coração ao espectador: “eis meu coração, ele lhe pertence”. Numa referência a Jesus Cristo que deu seu coração para João Batista e disse: “aqui está meu coração, faça dele o que quiser”. Esse pequeno, frágil e precioso quadro, de apenas poucos centímetros, coberto com gotas de cristal, é oferecido ao espectador, que pode estilhaçá-lo, demonstrando os perigos de se expor ao público.
Voilà mon coeur (frente e verso) - bordado e cristais sobre feltro - 1989

            José Leonilson Bezerra Dias, Leonilson, nasceu na cidade de Fortaleza, Ceará, em 1957 e morreu jovem, na cidade de São Paulo, em 1993, em consequência de complicações relacionadas à AIDS.

domingo, 18 de março de 2012

As saias de Flávio de Carvalho


“A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de forma contínua sua relação com o mundo” (Guattari)

Flávio de Carvalho (1899-1973)

            Depois da segunda metade do século XX, manifesta-se, com maior intensidade, uma corrente de ideias experimentais que propõe introduzir uma relação mais imediata entre arte e público, com o objetivo de fazer o espectador participar na própria elaboração da obra, fazendo-o partilhar do tempo da criação.
            De um modo geral, práticas muito difundidas nas décadas de 1960 e 1970, como assemblage, ambiente, land art, fluxus, povera etc., buscam o impacto social. De um lado, querem fugir do mercantilismo existente na arte e na sociedade, do outro lado, não se conformam com as formas tradicionais da pintura e da escultura, e desejam incluir na arte todo objeto cotidiano: elementos reais e os sujeitos situados de maneira casual em um ambiente e suas vivências.
            Todas essas práticas baseiam-se em fazer com que as pessoas saiam de suas rotinas e vejam uma vida diferente. Elas incitam a produção de uma vida cotidiana enquanto obra de arte, opondo-se à reificação e à divisão da experiência em pequenas unidades separadas. Nesse sentido, há uma demanda para que o sujeito não seja apenas um espectador, mas que, também, participe da obra. Ou seja, a participação do público é fator chave na ativação ou efetivação de tais propostas.
            No Brasil, muito antes desses experimentos relacionais dos anos 1960 e 1970, ou seja, da ênfase nas trocas sociais como meio de realização de propostas artísticas, Flávio de Carvalho já buscava uma maior relação entre arte e público. Antes da consolidação do termo “performance”, Carvalho utilizava a palavra “experiência” para denominar suas práticas interdisciplinares, desvinculadas das categorias artísticas tradicionais.
            Em 1931, Carvalho realiza sua “Experiência No. 2”. Nela, o artista caminha na contramão do fluxo de uma procissão de Corpus Christi, mantendo um boné na cabeça, o que na época era considerado extremamente ofensivo. O artista só não foi linchado na ocasião graças à intervenção da polícia. Flávio de Carvalho resume essa experiência na tentativa de testar a in/tolerância da comunidade religiosa.
            Em “Experiência No. 3”, em 1956, bem aos padrões dos happenings — cujo conceito começava a se sedimentar nos Estados Unidos —, o artista desfilou pelo centro da cidade de São Paulo com seu “new look”, ou traje de verão masculino. Segundo Carvalho, esta seria a roupa mais adequada ao clima tropical: saia, blusa de mangas fofas, chapéu de organdi e meias arrastão.
            A atitude questionadora de Flávio de Carvalho sem dúvida influenciou gerações de artistas brasileiros posteriores. Eduardo Kac (mais conhecido pela criação de GFP Bunny, a coelhinha fluorescente), no começo dos anos 1980, em referência à performance de Flávio de Carvalho, realiza o seu “poema pornô”, em que desfila por vários locais da cidade do Rio de Janeiro usando uma mini-saia rosa choque e declamando poemas “pornográficos”.

sábado, 17 de março de 2012

de olhos bem abertos

patrícia ferreira, colagem, 2004

A exposição "Picasso: paixão e erotismo" foi o carro chefe da edição 2007 do Circuito Cultural Banco do Brasil. Com o evento, o Centro Cultural Oscar Niemeyer foi tomado por uma procissão de pessoas que lotaram a exposição. Parecia uma espécie de ritual religioso e Picasso era o ícone no altar. Isso me mostrou que não é à toa que Affonso Romano Sant’Anna, em Desconstruir Duchamp, associa a arte contemporânea à religião:

É aqui que a “arte contemporânea” se confunde com misticismo e religião: um diálogo com o ausente, mediado pelo “artista” (crítico e curadores) como sacerdotes de um credo. Na religião há de ter fé. Em relação às obras contemporâneas, há que “acreditar” nas intenções do artista (p. 24).

Mas não se trata apenas de acreditar nas intenções do artista, deve-se acreditar também nas intenções de todos aqueles envolvidos no processo de mediação do ato criativo, sobretudo, os críticos de arte, curadores e agentes culturais especializados.

Nessa exposição de Picasso, os anúncios diziam que se tratava de obras pertencentes “à Coleção Píer Paolo Cimatti [...] formada por gravuras originais do artista espanhol”. No entanto, numa entrevista não muito recente, a escultora Maria Guilhermina chamou a atenção para o fato de Píer Paolo Cimatti ter sido secretário pessoal de Picasso. Segundo Guilhermina, as gravuras que compunham a exposição eram cópias descartadas por Picasso. Ou seja, nem mesmo com a reprodutibilidade técnica, intrínseca ao processo da gravura, essas obras poderiam ser consideradas originais. Elas compunham, na verdade, o lixo do artista. A grande “sacada” do ex-secretário de Picasso foi ver que o artista tinha o toque de Midas: tudo o que tocava virava ouro. E, assim, recolheu do lixo tudo que foi rejeitado pelo controle de qualidade do artista.

Infelizmente, durante o Circuito Cultural Banco do Brasil, aconteceu, no MAG (Museu da arte de Goiânia), a exposição “A Escrita Chinesa: do ideograma ao computador”, que, apesar de modesta, foi bastante interessante, informativa e, ainda, divertida. Como não poderia deixar de ser, essa exposição foi ofuscada pelo brilho do C.C.B.B.

O MAG, entre erros e acertos, tem contribuído muito com a arte em Goiânia. Nesse percurso do MAG, eu me lembro de uma exposição de reproduções de obras impressionistas. As reproduções eram péssimas, as cores, as proporções, as molduras, a orientação dos monitores etc., tudo ajudava a descontextualizar o Impressionismo. Tive a oportunidade de conversar com uma “autoridade” da área artística da cidade sobre essa exposição e disse que o dinheiro público teria sido melhor aproveitado se as crianças das escolas de Goiânia tivessem sido levadas até a feira livre (que acontece duas vezes por semana na rua ao lado do MAG) para observar como a luz se refletia nas frutas, verduras e outros objetos presentes no local. Essa pessoa até concordou comigo, mas disse que não teria professores/monitores capazes de orientar tal experiência. Só não entendi como alguém poderia falar sobre o Impressionismo sem ter noção desse fenômeno tão caro aos artistas impressionistas.

Enfim, muitos desses equívocos poderiam ser atenuados com um ensino sério de arte. A partir disso, teríamos uma população mais preparada para lidar com a arte em seus mais diversos níveis. A falta de um ensino responsável de arte gera uma enorme carência de críticos de arte, jornalistas capacitados a falar de arte, professores/monitores capazes de perceber os efeitos retinianos da luz e uma população capaz de agir como protagonista no campo das artes.

Com o ensino sério de arte, talvez, o público goiano possa notar, diante de algum “grande” evento artístico, no futuro, trazendo mais um ícone da arte, que esse ícone, ou rei, poderá não estar apenas nu, mas, também, poderá já ter rolado escada abaixo, embora os promotores de eventos e políticos ainda possam querer fazer o público se curvar para elogiar a aura das vestes inexistentes desse rei.

sexta-feira, 16 de março de 2012

a vaca foi pro brejo

Richard Serra, Arco Inclinado, 1981

            O conceito de arte pública existe, como aspecto da vocação da arte, desde a Antiguidade. Nesse sentido, encontram-se as obras integradas à cena cotidiana, como monumentos, nas ruas e praças, de acesso livre. Relacionam-se, também, ao conceito de arte pública, as obras pertencentes aos museus e acervos públicos. 
            Atualmente, o conceito refere-se à arte realizada fora dos espaços convencionais, ou seja, uma arte de “espaços públicos”, como hospitais, escolas, aeroportos etc., mesmo que estes espaços, reservados ao público, sejam de propriedade privada. A ideia dominante é a de uma arte acessível fisicamente e que modifique o ambiente de modo permanente ou temporário.
            Na década de 1970, uma política voltada para a arte pública, em países como a Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, conseguiu subsídios para a realização de obras que, a princípio, estariam descomprometidas com o mercado. Mas as agências “especializadas” em arte pública começaram a se estabelecer. Era o mercado reapropriando-se da arte pública. Essas agências passaram a supervisionar as seleções e contratações de artistas para “projetos públicos”.
            Michael Archer nos lembra das tensões entre o público em geral e a arte, concebida com o total “bem-estar” do público em mente. O “Arco Inclinado”, de Richard Serra, encomendado em 1981, por um programa oficial para a Federal Plaza, em Nova York, era uma escultura de aço, muito mais alta que uma pessoa, que cortava a praça e restringia a visão e a circulação dos pedestres. Em 1985, os protestos das pessoas que circulavam naquelas imediações foram tão intensos que o órgão do governo, que havia encomendado a obra, anunciou que a removeria. Seguiu-se um longo processo que terminou com a remoção da obra, em 1989.
            Esse episódio nos lembra os transtornos causados, recentemente, por um projeto mirabolantemente pensado por um marchand, que levou à construção de uma montanha de terra numa praça entre as avenidas T-2 e T-8, em Goiânia. A construção causou uma sensação de claustrofobia nos passantes, restringindo a visão e impedindo o acesso das pessoas ao local. O pior, em cima desse monte de terra, seriam colocadas duas enormes esculturas de um artista que, por coincidência, era representado pelo marchand.
            A arte pública legítima demanda a articulação de uma ético-política que leva em conta os ambientes, a sociedade e a subjetividade humana. Isso, em oposição ao nivelamento imposto pelo mercado. Não basta espalhar vaquinhas de fibra de vidro pela cidade, dizer que é projeto beneficente, que qualquer um pode ter acesso ao projeto mediante ao envio de uma proposta e reclamar da falta de respeito do público.
            Acredito que tem muito comprometimento envolvido no projeto Cow. Não foi o corpo da vaquinha de certo artista - protesto contra atropelamentos - que foi vilipendiado pelo desrespeito do público, o público é que foi atropelado pela vaca no meio do caminho. Será que antes de colocarem a vaca no meio do caminho, alguém divulgou nas periferias a possibilidade de seus artistas participarem do projeto?
            Uma arte pública que carrega marcas de empresas privadas interrompe o fluxo do potencial produtivo da arte de repensar o real. Como diz Guattari, o artista é o terapeuta do real. Ajustar a arte ao mundo do útil é reduzi-la apenas a um objeto acima do sofá, ou, se for uma vaca, comprada em um leilão, ao lado do sofá.

quinta-feira, 15 de março de 2012

janet sobel: all over painting

Janet Sobel (1894-1968)

            Janet Sobel nasceu na Ucrânia e foi para Nova York com sua mãe e irmãos em 1908. Casou-se aos 16 anos e, aos 43 anos, mãe de 5 filhos, começou a pintar. Essa artista autodidata, segundo Clement Greenberg, produziu as primeiras “all over paintings”, pinturas distribuídas igualmente sobre toda superfície da tela, nos Estados Unidos.

Burnig brushes - Janet Sobel - 1943

            Suas pinturas, com tintas derramadas ou “drip paintings”, causaram um grande impacto em Jackson Pollock. No entanto, os trabalhos de Sobel são tratados, até hoje, como curiosidades produzidas por uma dona-de-casa.

Untitled - Janet Sobel - 1946-48

terça-feira, 13 de março de 2012

o espaço neoconcreto: estruturas modulares e outros bichos

Bicho flor - Lygia Clark - 1960-1963

            A fenomenologia da percepção, de Merleau-Ponty, difundiu-se entre as propostas artísticas que convidam o observador a participar da obra. Nesse sentido, para o neoconcretismo brasileiro, a arte era para ser experimentada, vivida. A obra de arte neoconcreta deve ser vista em seu contexto de relações vividas. Nela. o espaço não é um dado instrumental, mas um conjunto de vivências experimentado, construído em relação ao tempo.
            O neoconcretismo, lançado no Rio de Janeiro em 1959, surge de experiências isoladas de artistas que, até então, seguiam propostas gerais da arte concreta. Esses artistas passam a considerar a percepção como uma forma de pensamento com o corpo e não apenas com a visão. A obra neoconcreta realiza-se diretamente no espaço, seguindo a teoria do não-objeto, de Gullar, a revelação da forma neoconcreta ocorre independente de qualquer suporte, para que se esgote em si mesma.
            Lygia Clark propunha, desde 1957, que a obra de arte deveria exigir uma participação imediata do espectador. O quadro, ou estrutura modular, de Lygia Clark, perde a moldura, deixa de ser apoio para a representação e se torna “forma-signo” cujo fundo é o espaço real, o mundo.

O dentro e o fora - Lygia Clark - 1963

            Suas estruturas modulares abrem caminho para seus não-objetos móveis, ou bichos, articulados com dobradiças. Com eles, pressupõem-se o nascimento e a elaboração sucessiva do espaço e da forma, revelando a experiência motora do observador.
            Para Clark, a contemplação não é coisa exterior ao homem, mas um produto do esforço, da ação e da vontade de conhecimento.

segunda-feira, 12 de março de 2012

ambientes: land art, fluxus, povera e antiforma

Wheel - Robert Morris - 1971

            A partir dos anos 1960, as preocupações ecológicas e sociais são incorporadas à arte. Os ambientes naturais e artificiais passam a fazer parte de várias propostas artísticas: land art, fluxus, povera, antiforma, entre outras. Há uma conscientização de que tudo que afeta a natureza também nos afeta. E, ainda, por influência da fenomenologia, cresce o interesse pelas vivências dos sujeitos situados de maneira casual nos ambientes.
            A land art, segue a direção do abandono dos marcos dos museus e das galerias e desloca suas obras ao contexto natural onde são realizadas: montanhas, desertos, mar e, até mesmo, as cidades.

Spiral Jetty - Robert Smithson - 1970

            O fluxus, cujos objetivos são mais sociais que estéticos, tenta transformar qualquer coisa ou ação em obra arte.

Street cleaning - fluxus - 1966

            A arte povera incorpora materiais biológicos às obras de arte, numa espécie de observação das reações de suas propriedades físicas e químicas. 

Tappeto natura - Piero Gilard - 1966

            Nos Estados Unidos, acentua-se o aspecto de simbiose do trabalho processual pós-minimalista, ou antiforma. Segundo Robert Morris, criador da antiforma, o que essa arte ataca é a noção racionalista de que a arte é um produto acabado. Para ele, o que a arte tem nas mãos são materiais mutáveis que não precisam chegar a um ponto finalizado. 

Untitled - Robert Morris - 1970

            Todas essas formas de arte tendem a considerar o espectador na situação estética, social e ambiental das coisas e provocar posicionamentos e reflexões críticas. Apesar da importância do material, elas não se fixam somente no material físico, seu fim e suas propriedades intencionais tendem para a arte conceitual.

domingo, 11 de março de 2012

dizer mais com menos

Don Judd, sem título, 1970

            O minimalismo começa, por volta dos anos 1960, como um movimento contra o simbolismo, a espontaneidade e a intensidade emocional do expressionismo abstrato. O movimento também reage contra o colorido e a “irresponsabilidade” da pop art. Apesar do rigor quase moralista, o minimalismo abre um leque de experimentação fertilíssimo em todos os campos da arte.
            Os artistas minimalistas buscam a objetividade no lugar da expressão. Para eles, a arte deve ser racional, matemática, abstrata e sem composições esmeradas. Essa arte de conteúdos mínimos caminha para a terceira dimensão. Nela, o trabalho manual do artista é reduzido ao mínimo. A arte minimalista encontra sua fonte na natureza dos materiais, como ferro galvanizado, aço laminado, tubos fluorescentes, tijolos refratários, tinta industrial, entre outros.
            Ela incorpora objetos provenientes das mais diferentes funções, como elementos reais que se contrapõem ao ilusionismo da imagem pictórica. Os minimalistas optam por materiais industriais, formas geométricas simples e a repetição de objetos, escala de luz, cor, superfície, formato etc.
            No minimalismo, seguindo a fenomenologia de Merleau-Ponty, o espaço não é cenário. Considera-se que há uma natureza recíproca no processo por meio do qual os indivíduos chegam a uma consciência do espaço e dos objetos em torno deles. O processo de observação envolve a noção de que o formato total pode ser observado pelo observador e a vivência do corpo no espaço. Isso coloca o significado da obra minimalista fora da obra de arte.
            O neoconcretismo, movimento exclusivamente brasileiro, possui uma forte ligação com o espaço minimalista.

sábado, 10 de março de 2012

escultura, assemblage, ambiente, site, non-site, site-specific, instalação

Duchamp, instalação"16 milhas de fios" (1942)

            As três dimensões sempre foram assunto da escultura. Mesmo no início do século XX o espaço que envolve o corpo do observador não era considerado como parte da obra. Alguns artistas, como Kurt Schwitters, Tatlin, Duchamp e Man Ray, produziram obras tridimensionais que estabeleciam relações com o espaço no qual se colocavam, mas, na época, o termo para catalogação dessa prática era escultura.
            Somente em torno dos anos 1960, a arte passa a explorar a consciência do sentimento de estar dentro da obra. Difundiram-se, assim, propostas artísticas que convidavam o observador a participar da obra. Essas obras foram classificadas dentro de contextos teóricos que procuravam agrupá-las por suas semelhanças estéticas, conceituais e atitudinais: arte conceitual, arte povera, arte processual, land art, body art, novo realismo e minimalismo.
            Houve, nesse momento, um afrouxamento das categorias e um desmantelamento das fronteiras interdisciplinares. Diversas propostas artísticas classificadas dentro dos movimentos citados dão conta dessa percepção que não é apenas retiniana, é corporal.
            As ações que os artistas realizavam com o espaço receberam nomeações diferentes, entre elas: ambiente e assemblage. O termo ambiente foi estabelecido em meados dos anos 1970 e, juntamente com o termo assemblage, descrevia trabalhos nos quais os artistas juntavam diferentes materiais. O termo instalação se referia, naquele momento, apenas a como a exposição havia sido sustentada.
            A diferença entre assemblage e instalação se deve apenas a suas dimensões. Na assemblage, andamos ao redor de algo, e, no ambiente, penetramos e nos movemos dentro de algo. De um modo geral, não há nenhuma precisão sobre o modo como tais termos foram substituídos por instalação. O que sabemos é que o termo instalação vem gradualmente sendo usado para descrever um tipo de proposta artística que rejeita a concentração em um objeto em favor de uma consideração das relações entre um número de elementos ou na interação de coisas e seus contextos.
            A prática da instalação constitui um verdadeiro território de pesquisa que estabelece relações entre as artes plásticas, a arquitetura e as ciências humanas. Essas relações entre diferentes campos de conhecimento são um reflexo da mudança de pensamento. O isolamento do conhecimento por disciplinas não consegue mais dar conta da complexidade da vida contemporânea.
            Na tentativa de definir a ampliação do conceito de escultura, Robert Smithson utiliza os termos site e non-site, que estabelecem ligações e extensões entre o lugar no qual a obra se situa e os elementos (fotografias, mapas, pedras, terra etc.) que, deslocados dos locais físicos, desdobram e completam a obra. A obra é tanto a intervenção na paisagem (site), como os elementos: fotos, vídeos, detritos etc. (non-site).
            Robert Irwin utiliza o termo site-specific em referência às relações de dependência entre a escultura e o local onde ela é construída. O termo síte faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados, muitas vezes fruto de convites, em local certo, em que os elementos esculturais dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada.
            A instalação é construída a partir de relações e não de um objeto. Ela implica o lugar e os demais elementos que a compõem e acontece no tempo. Uma instalação bem sucedida controla o espaço e responde as suas peculiaridades. Para o senso comum, instalação é uma prática artística penetrável, mas existem instalações nas quais é impossível entrar. O termo se consolidou nos anos 1980 e serve para aglutinar e incluir as mais diversas propostas artísticas.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Arte Matta

(Gordon Matta-Clark, 1943-1978)

            Gordon Matta-Clark morreu há mais de trinta anos, mas ainda é um artista pouco compreendido, provavelmente, pelo fato de não ter deixado nenhuma obra. Formado em arquitetura, também nunca concretizou nenhum projeto de edificação. Ao contrário, seu projeto artístico desconstrucionista propunha alterar radicalmente estruturas existentes, cortando prédios abandonados, removendo partes de pisos, paredes e tetos. 


            Em 1971, juntamente com Carol Goodden, fundou o restaurante “Food”, no Soho, Nova York. O restaurante, que empregava artistas, tinha o objetivo de angariar fundos para o desenvolvimento de projetos artísticos independentes. O local se tornou ponto de encontro de artistas de todas as áreas e ajudou a definir os contornos da comunidade artística de Manhattan.
            Felizmente, Matta-Clark usava várias mídias para documentar os processos envolvidos em sua obra, como vídeo, filme e fotografia. Graças a isso, temos acesso às performances, aos trabalhos com materiais reciclados, aos “building cuts” e diversas outras atividades realizadas pelo artista. Em 1973, Matta-Clark começou a documentar em filme seu processo de abrir casas e prédios. Nesses filmes, a câmera viaja por casas estouradas, esburacadas e luminosas, devido à intervenção do artista munido de uma serra.
            Matta-Clark era filho da artista plástica americana Anne Clark e do pintor surrealista chileno Roberto Matta. Seu irmão gêmeo, Sebastian, que também era artista, suicidou-se em 1976. Matta-Clark teve sua carreira interrompida prematuramente devido a um câncer pancreático, em 1978.

pinturas combinadas

Coca Cola Plan (1958)
Robert Rauschenberg (1925-2008)

            A década de 1960 costuma ser apontada como o momento da passagem do modernismo, que se enceraria com o expressionismo abstrato, para o pós-modernismo, que se iniciaria com a pop art. Mas, na verdade, no entorno dos anos 1960, muitas tendências existem paralelamente: realismo social, expressionismo abstrato, pop art, op art, minimalismo, nouveau réalisme, tendências construtivistas russas, além dos primeiros vestígios da arte processual.
            Apertado no meio de tudo isso, aparece o artista americano Robert Rauschenberg. Este artista, inicialmente associado ao neodadaísmo e, posteriormente, à pop art tenciona os limites da pintura e da escultura, bem como os limites entre o cotidiano e a arte, com suas pinturas combinadas.
             Suas telas caminham para a terceira dimensão, incorporam objetos reais e contam com temas particulares derivados do cotidiano. Por sua natureza, as pinturas combinadas de Rauschenberg podem ser enquadradas formalmente ao conceito de assemblage.
            Para o artista, seguindo uma linha objetual oposta à futura “arte como ideia como ideia”, de Kosuth, ou arte conceitual, os materiais são mais importantes do que as ideias, pois estes o colocam em contato com o desconhecido. Rauschenberg usa com freqüência, em suas assemblages, materiais industrializados, garrafas de coca-cola, pássaros empalhados, embalagens etc.
             Por volta de 1962, Rauschenberg adota a técnica da impressão em silks-creen para aplicar imagens fotográficas a grandes extensões de tela, unificando a composição com pinceladas de tinta. Esses trabalhos têm como tema episódios da história americana recente e da cultura popular.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A importância de ser Merz

MERZBAU
Kurt Schwitters (1887-1948)

            Depois dos primeiros ready-mades de Marcel Duchamp — quando a pintura começa a avançar para a terceira dimensão e a escultura a perder qualquer distinção em relação aos objetos do cotidiano —, e antes da instalação da Pop Art, surge a obra do artista alemão Kurt Schwitters. Ele morreu na pobreza e na obscuridade e grande parte de seu trabalho foi perdido. Só recentemente, com o resgate do sentido de sua obra, foi possível reconhecer a enorme influência de Schwitters sobre a arte do século XX e XXI.
            Schwitters era um “artista total” que se enveredou pela poesia, prosa, teatro, crítica, pintura, publicidade, música, cinema, artes plásticas e arquitetura. Foi criador das primeiras instalações muito antes da consolidação deste termo nos anos 1980. Ele ficou conhecido por utilizar a colagem dadaísta de uma forma bastante particular. Embora próximo ao movimento dadaísta, Schwitters nunca foi oficialmente aceito pelo grupo, por não considerarem seu trabalho suficientemente rebelde.
            Sua forma de fazer arte era tão particular que ele a diferenciou do dadaísmo, criando a denominação Merz, com a significação pessoal de “obra de arte total”. A palavra não tem nenhum sentido, apenas foi retirada ao acaso de uma das colagens de Schwitters. O artista nomeou todos os seus projetos artísticos subsequente, de todas as linguagens, com variações da palavra Merz, como Merzbau. Certamente, a Merzbau, uma obra sem fim, sem plano, que recebia elementos novos a cada dia, é sua mais importante contribuição para a arte.
            Em 1923, Schwitters começou a converter os cômodos de sua casa em Hanover, na Alemanha, numa obra de arte arquitetônica. A obra foi crescendo e ganhando uma feição 3D cubista. A Merzbau era uma espécie de antítese do design utilitário da Bauhaus. Em 1937, Schwitters é obrigado a fugir da Alemanha e em 1943 toda sua casa foi destruída. Somente algumas imagens da Merzbau original sobrevivem. Felizmente, Schwitters teve a chance de construir instalações similares em países como Noruega e Inglaterra.
            Kurt Schwitters queria “superar o fosso que separa o tempo da vida do tempo da arte”. Ele aproveitava materiais de todas as espécies para construir a obra Merz. Seu objetivo era criar relações entre todas as coisas e o mundo, com a pretensão de unir arte e não-arte na imagem total Merz.

terça-feira, 6 de março de 2012

Charles e Jackson

Charles e Jackson (1930)

            Charles Cecil Pollock, filho mais velho da família Pollock, nasceu no Colorado, em 1902. Paul Jackson Pollock, o mais novo, nasceu no Wyoming, em 1912. O pai desses dois artistas, LeRoy Pollock, nascido com o sobrenome McCoy, adotou, por volta de 1890, o sobrenome Pollock dos visinhos que o acolheram após a morte de seus pais.
            Na década de 1930, Charles e Jackson foram para Nova York onde ambos freqüentaram a Art Student League of New York. Os dois também trabalharam para o Projeto de Arte Federal, entre 1935 e 1943, uma espécie de projeto assistencial para artistas durante os anos da Depressão. Nesse período, as práticas de representação naturalistas ou realistas eram consideradas como uma necessidade cultural para os adeptos das políticas comunistas e socialistas.
            Contratados pelo estado, os artistas trabalhavam para clientes do setor público (escolas, hospitais, prisões etc.). Charles Pollock pinta, nessa época, “Look down the road” e Jackson Pollock produz “Going West”, ambos os quadros evidenciando os efeitos da seca sobre a terra e a migração interna forçada pelo desemprego.

Looking down the road - Jackson Pollock - 1942

Going west - Jackson Pollock - 1935

           Jackson Pollock começou a utilizar tinta líquida, em 1936, depois de um workshop experimental realizado, em Nova York, pelo muralista mexicano Siqueiros. Charles também segue o caminho do expressionismo abstrato, mas com um estilo muito mais contido e organizado que o de Jackson.


Fireworks - Charles Pollock - 1950


Number 1 - Jackson Pollock - 1950

            Por volta de 1946, as pinturas de Jackson Pollock já não apresentam imagens reconhecíveis, o que se torna reconhecível é a atividade do próprio artista na superfície da tela. Essa atividade, além de revelar a própria vida no momento da pintura, modela todo um vocabulário de arquétipos, mitos e criaturas que afloram dos experimentos do artista. Na medida em que o ritmo da pintura de Jackson se acelera, como se o processo de aplicação da tinta fosse um meio para a vida mimética, a superfície da tela se torna insuficiente para comportar os movimentos expressivos do corpo do artista.

Jackson

            A solução encontrada por Jackson é a de abandonar a pintura de cavalete e colocar uma tela muito maior no chão. Essa nova abordagem dá um vigor maior ao expressionismo abstrato de Jackson e favorece o uso de técnicas que revelam sua expressividade.
            Depois de lutar quase toda vida contra o alcoolismo e a suspeita de um distúrbio bipolar, Jackson morreu em um acidente de carro, aos 44 anos, em 1956. Charles foi artista residente na Universidade da Pennsylvania até se aposentar, em 1968. Artista muito produtivo, Charles mudou-se para Paris em 1971, onde viveu até sua morte em 1988.