("A Boba", de Anita Malfatti - 1915 - 1916)
Duas
notícias do mundo das artes me fizeram pensar muito, recentemente, em Anita Malfatti.
A primeira, diz respeito à obra “A Boba”
(1916), de Anita, que foi escolhida pelo artista, escritor e performer, Wagner
Schwartz, como base para seu mais novo trabalho. Schwartz sofreu violentíssimos
ataques pela performance “La Bête”,
em 2017. Em seu novo projeto, o artista reflete, não propriamente sobre os
ataques que sofreu, mas sobre o corpo que recebeu os ataques. Do mesmo modo, a
obra de Anita representa um corpo muitíssimo atacado que amadurece e evolui no
tempo. O artista reconhece em “A Boba”,
a nação brasileira. Uma nação que tem a violência no governo, mas que também
começa a evoluir e a gerar novos movimentos que nos aproximam uns dos outros.
A segunda
notícia é a do projeto, que anda a todo vapor, para transformar Tarsila do
Amaral em ícone pop nacional, aos moldes de Frida Kahlo. Com isso, creio que nomes
como o de Anita Malfatti também poderão ser resgatados. Anita tem uma história
de vida incomum, assim como Tarsila. Sua obra, no entanto, é considerada de
maior relevância. Anita foi destruída por críticas assim que começou a tentar
mostrar sua arte. Com isso, o Brasil teria perdido sua única chance de ser
realmente modernista. O que sobrou, dizem, foi a arte “programática-ideológica-nacionalista”,
de artistas menores, como Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Portinari.
Anita
nasceu na cidade de São Paulo, em 1889, com uma atrofia no braço e na mão
direita. Depois de tentativas frustradas para corrigir o problema, aprende a
escrever e a desenhar com a mão esquerda, com ajuda da educadora norte-americana,
Miss Brown. Com a morte do pai, sua mãe, a também norte-americana Eleonora Elizabeth Krug, para garantir
o sustento da família, passa a lecionar idiomas, desenho e pintura em casa.
Anita passa a maior parte de seu tempo de criança nas aulas da mãe. Aos 13
anos, sem saber o que realmente queria da vida, decide se suicidar num trilho
de trem, próximo da estação da Barra Funda. Segundo a própria Anita, tal
incidente foi fundamental para alavancar sua carreira artística:
“Eu tinha 13 anos, e sofria porque não
sabia que rumo tomar na vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha
sensibilidade [...] Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência:
sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me
aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha
personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da estação da Barra
Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina,
deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi
uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar,
a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu
via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para
sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à
pintura.”
Depois
disso, com financiamento de um tio, Anita estudou arte por 4 anos em Berlim, na
Alemanha. De volta ao Brasil, a artista realiza uma exposição para pleitear uma
bolsa de estudos na França. O senador José de Freitas Valle, de quem dependia a
concessão da bolsa, visita a exposição e não gosta das obras de Anita, chegando
a criticá-las publicamente.
Entre
1915 e 1916, mais uma vez financiada pelo tio, Anita estuda arte em Nova York.
Ao retornar ao Brasil, em 1917, a artista reune 53 obras de influencia
expressionista para a “Exposição de Pintura Moderna Anita Malfatti”. A exposição
é duramente criticada por Monteiro Lobato, mas torna-se um marco para o
movimento modernista brasileiro. As críticas não impediram que Anita, mais
tarde, ilustrasse livros de Monteiro Lobato.
Em
1923, aos 33 anos de idade, Anita ganha uma bolsa para estudar arte na França,
onde permanece por cinco anos. Novamente no Brasil, em 1928, realiza sua quarta
exposição individual. Depois dessa exposição, Anita dedica-se ao ensino
escolar, trabalha na Escola Normal Americana e também na Escola Normal do
Mackenzie College. Em 1933, Anita instala seu ateliê no bairro de Higienópolis,
onde leciona pintura, inclusive para Oswald de Andrade Filho.