ANTONIO, Jorge Luiz. Poesia Digital:
negociações com os processos digitais: teoria, história, antologias. São Paulo:
Navegar Editora; FAPESP. Columbus, Ohio, EUA: Luna Bisonde Prods. Itu, SP:
Autor, 2010. Acompanha 1 DVD.
Resenhado por Patrícia Ferreira da Silva Martins
Escrever sobre a poesia digital não
é tarefa nada fácil. As dificuldades se impõem a partir das controvérsias em
relação às fronteiras que envolvem o conceito de poesia digital e à
multiplicidade de termos usados para definir aspectos dessa poesia relativamente
nova. Há, ainda, o problema da infinidade de procedimentos que constituem essa
prática e, consequentemente, da proliferação contínua de exemplos de poesias ligados
a esses inúmeros procedimentos. Além disso, não podemos deixar de mencionar a
questão da escassez de referências sobre o tema.
Em Poesia Digital: negociações com os processos digitais: teoria,
história, antologias, no entanto, o doutor e mestre em Comunicação e
Semiótica Jorge Luiz Antonio consegue dar conta dessa tarefa de maneira clara, até
mesmo para o leitor não iniciado, sobretudo pela organização da estrutura em
que o estudo se desenvolve, com capítulos que formam planos complementares, e
pela linguagem acessível utilizada pelo autor, que oferece, ademais, o auxilio
de um glossário para os casos mais complicados. Aos estudiosos da área, a obra
oferece uma rica antologia internacional de textos teóricos, uma antologia de
poemas e outra antologia de poemas comentados de acordo com tipologias
específicas, além de uma bibliografia que oferece subsídios para o estudo do assunto
sob os mais diferentes pontos de vista.
Esta é a segunda edição revisada do
livro/CD-ROM Poesia Eletrônica:
negociações com os processos digitais, publicada em 2008, que constitui a
tese de doutoramento do autor, de 2005. Em edição bilíngüe (inglês/português),
o livro/DVD pode ser lido em hard copy e,
simultaneamente, acessado em suas páginas eletrônicas, armazenadas no DVD. A
apresentação em forma impressa e digital é fundamental para abarcar a quantidade
de informação necessária para a compreensão da poesia digital — computadas as
páginas impressas e eletrônicas do livro/DVD, somam-se cerca de 1500 páginas.
As páginas eletrônicas oferecem ao leitor acesso rápido aos mais diferentes
exemplos de poesia digital, em cores ou p&b, nos arquivos locais (DVD) ou
via Rede (WWW). Essa flexibilidade de
acesso e capacidade de espaço, favorecidos pelo formato digital, posiciona o
trabalho de Jorge Luiz Antonio um passo à frente do não menos importante estudo
Prehistoric Digital Poetry: an
archaeology of forms, 1959-1995 (Tuscaloosa, University of Alabama Press,
2007), de Chris Funkhouser.
É importante ressaltar que a obra
permite novas inserções, correções, comentários e alterações realizadas com a
ajuda do leitor (ciber/leitor), o que a torna uma obra interativa,
hipertextual, in progess e in process. Por essa razão, o autor
criou um blog
<http://jlantonio.blog.uol.com.br>, para que o leitor se intere de todas
as alterações realizadas. Essas características, entre outras, mostram a força
surpreendente do livro/DVD ao dar um estímulo indiscutível para o leitor interessado.
O livro/DVD pode ser descrito como
um estudo documentado e uma história analítica da poesia digital, com especial
destaque ao trabalho de poetas, tanto do Brasil como do exterior, que têm usado
a tecnologia na criação de uma nova estética. Entre estes poetas, destaco o
resgate que o autor faz do poeta e engenheiro brasileiro Erthos Albino de Souza
(1932-2000), com a inclusão de dois poemas precursores da poesia digital no
Brasil, “Le Tombeau de Mallarmé”
(1972) e “Ninho de Metralhadoras” (1976), criados com o auxílio de um
supercomputador, e do mais recente “Cidade/City/Cité” (1985).
O estudo de Jorge Luiz Antonio é
dividido em três partes: teoria, história e antologias, que se desdobram em oito
capítulos: I - poesia e tecnologia: tecnopoesia; II - poesia, arte, ciência e
tecnologia; III - cronologia; IV - poesia eletrônica; V - poesia e
computador(es); VI - tipologia e exemplos comentados; VII - antologia de
poesias; e VIII - antologia de textos teóricos.
A capa do livro apresenta o
infopoema “Az Cor”, do poeta português E. M. de Melo e Castro. A imagem que
pode ser vista animada, a partir da opção “start”
do DVD, é suficiente para que o leitor tenha uma noção prévia das mutações e
transmutações sofridas pela palavra no contexto digital e, consequentemente,
das mediações e negociações do poeta com as tecnologias.
Esta obra enriquece uma bibliografia
ainda restrita acerca de um processo que tem origem antes mesmo do surgimento
do computador na poesia das vanguardas, poesia concreta, visual e experimental.
Na antologia de poemas, selecionada pelo autor, é possível traçar todo esse
percurso da “pré-história” da poesia digital. A partir do século XIX, essa
poesia sofre transformações devido ao surgimento de tecnologias como a fotografia,
o rádio, a televisão, o vídeo, a holografia etc., migrando, posteriormente,
para as tecnologias computacionais.
É com o uso das tecnologias
computacionais que tem início a história propriamente dita da poesia digital,
especificamente, no ano de 1959, com o texto estocástico, ou de variação
randômica, de Theo Lutz (1932-2010) — a quem o autor merecidamente dedica sua
obra —, e chega até os dias atuais, período posterior ao surgimento dos
protocolos da Internet e da World Wide
Web (WWW).
Das negociações semióticas do poeta
com as tecnologias e das relações das linguagens artísticas, poéticas e
tecnológicas, como enfatiza o autor, emerge a poesia que circula atualmente,
entre diversos meios, pelo telefone celular, computador, Internet e WWW. Esta poesia mantém seu elo com os
tipos anteriores de poesia (oral, manuscrita, impressa etc.) pelo uso da
palavra como seu elemento motivador. Entretanto, não se trata apenas de uma
adequação direta da poesia aos novos suportes; o autor demonstra que há todo um
percurso da poesia para realizar as mutações e transmutações necessárias para
que a função poética predomine nesses novos meios.
A poesia digital, segundo Jorge Luiz
Antonio, é configurada pelo uso da palavra, imagem estática e/ou animada, som,
hipertextualidade, hipermídia e interatividade, formatada pela linguagem de
programação do computador. A presença da palavra nessa nova poesia não implica
no predomínio da semântica verbal. Nela, elementos de todas as linguagens operam
no estabelecimento dos significados. A partir dessas constatações, o autor nos
leva a entrever a possibilidade até mesmo de se pensar num “alargamento” do próprio
conceito de literatura, especificamente da poesia, na contemporaneidade.
Os mais de 500 exemplos de poemas
levantados no estudo levam o autor a afirmar que o crescente uso das
tecnologias digitais por parte de poetas de diversos países evidencia a
existência de um movimento internacional descentralizado e em expansão. Esses vários
exemplos mostram também que o termo poesia digital, como o vemos no título do
livro/DVD, só pode ser utilizado de maneira genérica. Sendo assim, o autor não
deixa de discutir e colocar em questão esta e tantas outras denominações que
vêm sendo atribuídas a essa prática poética.
Segundo Jorge Luiz Antonio, as
denominações se multiplicam em meio aos mais diversos procedimentos de criação.
O estudo mostra que a proliferação de termos e denominações se deve às
constantes transformações da tecnologia. A cada mutação da tecnologia, surgem
novas denominações, tais como “poesia computacional”, “tecno-arte-poesia”, “poesia
eletro-eletrônico-digital”, “poesia das novas mídias”, “poesia eletrônica” etc.
Não poderíamos terminar sem dizer
que Poesia Digital: negociações com os processos
digitais: teoria, história, antologias é um estudo consistente, de grande
fôlego e muito bem arquitetado. A constatação do autor da existência de uma
poesia que está interagindo e intervindo na linguagem computacional com o
propósito de criar uma linguagem poético-computacional, aponta não para a “tecnologização”
da literatura, mas para uma revolucionária poetização da técnica.
Vale a pena ler o livro/DVD de Jorge
Luiz Antonio, assim como vale a pena revisitá-lo como um constante material de
referência.