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domingo, 22 de junho de 2025

Exercícios de nos ver ou o Outro de nós mesmos

"nós não somos aquilo que pensamos ser, mas aquilo que, a cada momento, nós mesmos construímos" (Pirandello)

 

A impossibilidade de apreensão do eu e a noção de que a identidade não é estável, sempre foram materiais estimulantes à criação artística. Isto é mais evidente entre os artistas dedicados ao autorretrato mesmo, em alguns casos, quando o artista não tem total consciência dessas ideias.

 Rembrandt, por exemplo, criou um diário visual com seus autorretratos, em diferentes poses e estados de humor. Ao longo de 40 anos, o artista realizou mais de 50 pinturas, 32 gravuras, além de desenhos acabados e rascunhos por terminar. Egon Schiele, por sua vez, produziu 250 autorretratos durante os breves 10 anos de sua vida artística. O pintor alemão Walter Gramatté também produziu cerca de 200 autorretratos, com estilos tão diversos, que pareciam pertencer aos mais diferentes artistas.

 Mais recente, a obra da fotógrafa Cindy Sherman, "imagens de si", apresenta uma série de autorretratos da artista, ao longo do tempo, sempre inserida em cenários, como personagem, de histórias alheias à história pessoal da própria artista. O artista brasileiro, Hudnilson Jr, por sua vez, na obra "exercícios de me ver", produziu várias séries de fotocópias de partes de sua anatomia para serem coladas em locais públicos. Além disso, Hudnilson Jr, produziu mais de 60 cadernos com colagens de imagens dele juntamente com imagens de outros homens, possivelmente imagens de homens, possivelmente, imagens de homens que o artista gostaria de ser e/ou possuir.

 Diante de tantos exemplos na história da arte e vendo, hoje, como as redes sociais ajudam nesse exercício de nos ver, fico pensando como é importante quando nos vemos como o Outro de nós mesmo. Minha impressão é a de que, se nos vemos, mesmo que por um fragmento de tempo, só nos vemos através dos olhos do Outro. Com a arte e as redes sociais e outras ferramentas tecnológicas, podemos ser o Outro de nós mesmos, podemos exercitar outros roteiros de identidade, inventar novos "eus".

Acredito que o exercício de nos ver é, além de criativo, terapêutico, é um exercício de liberdade. O discurso de que as pessoas se mostram como não são realmente, nas redes sociais (como se fosse possível ter a certeza do que somos), é limitador. A experiência com roteiros inventados pode enriquecer caminhos petrificados pelo medo do uso da imaginação.