"nós não somos aquilo que
pensamos ser, mas aquilo que, a cada momento, nós mesmos construímos"
(Pirandello)
A
impossibilidade de apreensão do eu e a noção de que a identidade não é estável,
sempre foram materiais estimulantes à criação artística. Isto é mais evidente
entre os artistas dedicados ao autorretrato mesmo, em alguns casos, quando o
artista não tem total consciência dessas ideias.
Rembrandt,
por exemplo, criou um diário visual com seus autorretratos, em diferentes poses
e estados de humor. Ao longo de 40 anos, o artista realizou mais de 50
pinturas, 32 gravuras, além de desenhos acabados e rascunhos por terminar. Egon
Schiele, por sua vez, produziu 250 autorretratos durante os breves 10 anos de
sua vida artística. O pintor alemão Walter Gramatté também produziu cerca de
200 autorretratos, com estilos tão diversos, que pareciam pertencer aos mais
diferentes artistas.
Mais
recente, a obra da fotógrafa Cindy Sherman, "imagens de si", apresenta
uma série de autorretratos da artista, ao longo do tempo, sempre inserida em
cenários, como personagem, de histórias alheias à história pessoal da própria
artista. O artista brasileiro, Hudnilson Jr, por sua vez, na obra
"exercícios de me ver", produziu várias séries de fotocópias de
partes de sua anatomia para serem coladas em locais públicos. Além disso,
Hudnilson Jr, produziu mais de 60 cadernos com colagens de imagens dele
juntamente com imagens de outros homens, possivelmente imagens de homens, possivelmente, imagens de homens que o artista gostaria de ser e/ou
possuir.
Diante de
tantos exemplos na história da arte e vendo, hoje, como as redes sociais ajudam
nesse exercício de nos ver, fico pensando como é importante quando nos vemos
como o Outro de nós mesmo. Minha impressão é a de que, se nos vemos, mesmo que
por um fragmento de tempo, só nos vemos através dos olhos do Outro. Com a arte
e as redes sociais e outras ferramentas tecnológicas, podemos ser o Outro de
nós mesmos, podemos exercitar outros roteiros de identidade, inventar novos
"eus".
Acredito
que o exercício de nos ver é, além de criativo, terapêutico, é um exercício de
liberdade. O discurso de que as pessoas se mostram como não são realmente, nas
redes sociais (como se fosse possível ter a certeza do que somos), é limitador.
A experiência com roteiros inventados pode enriquecer caminhos petrificados
pelo medo do uso da imaginação.