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sábado, 3 de novembro de 2018

exercícios de nos ver e/ou quem vê de fora e/ou o Outro de nós mesmos

"nós não somos aquilo que pensamos ser, mas aquilo que, a cada momento, nós mesmos construímos" (Pirandello)

A impossibilidade de apreensão do eu e a noção de que a identidade não é estável, sempre foram materiais estimulantes à criação artística. Isto é mais evidente entre os artistas que dedicam-se ao autorretrato mesmo, em alguns casos, quando o artista não tem total consciência dessas ideias.
Rembrandt, por exemplo, criou um diário visual com seus autorretratos, em diferentes poses e estados de humor, ao longo de 40 anos, contendo mais de 50 pinturas, 32 gravuras, além de desenhos acabados e sketches. Schiele produziu 250 autorretrato durante os curtos 10 anos de sua vida artística. Gramatté também produziu cerca de 200 autorretratos, com estilos tão diversos, que pareciam pertencer aos mais diferentes artistas. 

Walter Gramatté, Autorretrato, 1926

Mais recente, a obra de Cindy Sherman, "imagens de si", é composta de autorretratos da artista, ao longo de toda sua vida, sempre inserida em cenários e personagens de histórias alheias à história pessoal da própria artista. Hudnilson Jr, em "exercícios de me ver", produziu séries de fotocópias de partes de sua anatomia para serem coladas em locais públicos. Além disso, Hudnilson Jr, produziu mais de 60 cadernos com colagens de imagens dele juntamente com imagens de outros homens, possivelmente imagens de homens que o artista gostaria de ser/possuir. 


Hudnilson Jr, Exercícios de me ver", ?

Vendo tantos exemplos na história da arte e vendo, hoje, como as redes sociais ajudam nesse exercício de nos ver, fico pensando como é importante quando nos vemos como o Outro de nós mesmo. Minha impressão é a de que, se nos vemos, mesmo que por um fragmento de tempo, só nos vemos através dos olhos do Outro. Com a arte e as redes sociais e outras ferramentas tecnológicas, podemos ser o Outro de nós mesmos, podemos exercitar outros roteiros de identidade, inventar novos "eus". Acredito que o exercício de nos ver é, além de criativo, terapêutico, é um exercício de liberdade. O discurso de que as pessoas mostram-se como não são, nas redes sociais, é limitador (como se fosse possível ter a certeza do que somos). A experiência com roteiros inventados pode enriquecer caminhos petrificados pelo medo do uso da imaginação.