patrícia ferreira - lápis de cor, acrílico e ponta porosa sobre canson
A linha é definida como uma marca com
comprimento e direção, criada por um ponto que se move através de uma
superfície, podendo variar em comprimento, espessura, direção e curvatura.
A linha circunscreve e delineia a forma, mas
não é forma e, em geral, não é considerada como contendo uma cor. Para alguns
pensadores, ainda hoje, a linha não pode subordinar a cor e, por essa razão,
não pode ser considerada como pintura. Ela é associada a conceitos como razão,
lógica, controle, precisão, bidimensionalidade e refinamento. A cor, por sua
vez, é associada às ideias de sentimento, mobilidade, densidade,
tridimensionalidade, opticalidade e qualidades tácteis. Nesses termos, a cor
seria o veículo ideal e fundamental para a pintura.
A dificuldade em conceber a linha como cor
(pintura) provém de uma antiga dicotomia, entre o linear e o pictórico,
estabelecida formalmente em 1915, por Woelfflin, em Principles of Art History.
No entanto, desde o final do Século XV essa discussão já se processava.
Ticiano e Botticelli são fortes
representantes dessa polaridade. A pintura de Ticiano deve muito à escultura
que, inicialmente, ensinou aos artistas como modelar e sombrear para dar uma
ilusão de relevo, e, também, os ensinou como compor essa ilusão numa ilusão
complementar de espaço em profundidade (perspectiva). A pintura no ocidente,
durante muitos séculos, lutou para ser uma pintura escultural, para salvar-se
da bidimensionalidade, sempre relacionada ao uso da linha.
Nas obras de Ticiano, vemos o que está em seu
quadro antes mesmo de vermos o quadro como pintura. Para os defensores da
pintura pictórica escultural, os limites lineares das obras de Botticelli são
uma espécie de fuga do realismo. Em Botticelli, temos a noção da
bidimensionalidade da pintura antes, e não depois de nos tornarmos conscientes
do que essa bidimensionalidade contém. Ao chamar atenção para a própria pintura
e não para o que está contido nela, a obra de Botticelli ganha uma dimensão
auto-referencial que se tornaria, muito tempo depois, uma das principais
características da pintura moderna.
No século XIX, Jean-August-Dominique Ingres,
apesar de ser filho de um escultor ornamentista, opôs-se radicalmente ao
triunfo da pintura pictórica, representada, na época, por Delacroix. Ingres
realizou pinturas que se colocavam entre as mais bidimensionais e menos
esculturais já feitas no Ocidente por um artista sofisticado, desde o século
XV. Desse modo, a partir de meados do século XIX, todas as tendências
ambiciosas da pintura convergiam numa direção antiescultural, plana e linear. Ao
chamar a atenção para sua própria bidimensionalidade, para o fato de ser uma
superfície plana, a pintura se tornou mais consciente de si mesma.
Matisse foi o primeiro artista a liberar a
linha para operar com a cor tanto quanto com o puro desenho. As linhas em seu
quadro La Joie de Vivre, por exemplo, estruturam toda a composição,
independentemente das figuras que se definem. As cores, nesta obra, são planas
e completamente subordinadas às linhas.
A tridimensionalidade é domínio da escultura
e, para garantir sua própria autonomia, a pintura vem tentando despojar-se de
tudo que poderia ter em comum com a escultura. Desse modo, a linha se tornou um
importante elemento expressivo para a pintura moderna. E é nesse curso que a
pintura moderna se tornou autoreferencial e autocrítica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário