patrícia ferreira, colagem, 2004
A
exposição "Picasso: paixão e erotismo" foi o carro chefe da edição
2007 do Circuito Cultural Banco do Brasil. Com o evento, o Centro Cultural Oscar
Niemeyer foi tomado por uma procissão de pessoas que lotaram a exposição.
Parecia uma espécie de ritual religioso e Picasso era o ícone no altar. Isso me
mostrou que não é à toa que Affonso Romano Sant’Anna, em Desconstruir Duchamp, associa a arte contemporânea à religião:
É aqui que a “arte contemporânea” se
confunde com misticismo e religião: um diálogo com o ausente, mediado pelo
“artista” (crítico e curadores) como sacerdotes de um credo. Na religião há de
ter fé. Em relação às obras contemporâneas, há que “acreditar” nas intenções do
artista (p. 24).
Mas
não se trata apenas de acreditar nas intenções do artista, deve-se acreditar também
nas intenções de todos aqueles envolvidos no processo de mediação do ato
criativo, sobretudo, os críticos de arte, curadores e agentes culturais
especializados.
Nessa
exposição de Picasso, os anúncios diziam que se tratava de obras pertencentes “à
Coleção Píer Paolo Cimatti [...] formada por gravuras originais do artista
espanhol”. No entanto, numa entrevista não muito recente, a escultora Maria
Guilhermina chamou a atenção para o fato de Píer Paolo Cimatti ter sido secretário
pessoal de Picasso. Segundo Guilhermina, as gravuras que compunham a exposição eram
cópias descartadas por Picasso. Ou seja, nem mesmo com a reprodutibilidade técnica,
intrínseca ao processo da gravura, essas obras poderiam ser consideradas
originais. Elas compunham, na verdade, o lixo do artista. A grande “sacada” do
ex-secretário de Picasso foi ver que o artista tinha o toque de Midas: tudo o
que tocava virava ouro. E, assim, recolheu do lixo tudo que foi rejeitado pelo
controle de qualidade do artista.
Infelizmente,
durante o Circuito Cultural Banco do Brasil, aconteceu, no MAG (Museu da arte
de Goiânia), a exposição “A Escrita Chinesa: do ideograma ao computador”, que,
apesar de modesta, foi bastante interessante, informativa e, ainda, divertida. Como
não poderia deixar de ser, essa exposição foi ofuscada pelo brilho do C.C.B.B.
O
MAG, entre erros e acertos, tem contribuído muito com a arte em Goiânia. Nesse
percurso do MAG, eu me lembro de uma exposição de reproduções de obras
impressionistas. As reproduções eram péssimas, as cores, as proporções, as
molduras, a orientação dos monitores etc., tudo ajudava a descontextualizar o
Impressionismo. Tive a oportunidade de conversar com uma “autoridade” da área
artística da cidade sobre essa exposição e disse que o dinheiro público teria
sido melhor aproveitado se as crianças das escolas de Goiânia tivessem sido
levadas até a feira livre (que acontece duas vezes por semana na rua ao lado do
MAG) para observar como a luz se refletia nas frutas, verduras e outros objetos
presentes no local. Essa pessoa até concordou comigo, mas disse que não teria
professores/monitores capazes de orientar tal experiência. Só não entendi como alguém
poderia falar sobre o Impressionismo sem ter noção desse fenômeno tão caro aos
artistas impressionistas.
Enfim,
muitos desses equívocos poderiam ser atenuados com um ensino sério de arte. A
partir disso, teríamos uma população mais preparada para lidar com a arte em
seus mais diversos níveis. A falta de um ensino responsável de arte gera uma enorme carência de críticos de arte, jornalistas capacitados a
falar de arte, professores/monitores capazes de perceber os efeitos retinianos
da luz e uma população capaz de agir como protagonista no campo das artes.
Com
o ensino sério de arte, talvez, o público goiano possa notar, diante de algum “grande”
evento artístico, no futuro, trazendo mais um ícone da arte, que esse ícone, ou
rei, poderá não estar apenas nu, mas, também, poderá já ter rolado escada
abaixo, embora os promotores de eventos e políticos ainda possam querer fazer o
público se curvar para elogiar a aura das vestes inexistentes desse rei.