Richard Serra, Arco Inclinado, 1981
O
conceito de arte pública existe, como aspecto da vocação da arte, desde a Antiguidade.
Nesse sentido, encontram-se as obras integradas à cena cotidiana, como
monumentos, nas ruas e praças, de acesso livre. Relacionam-se, também, ao conceito
de arte pública, as obras pertencentes aos museus e acervos públicos.
Atualmente,
o conceito refere-se à arte realizada fora dos espaços convencionais, ou seja,
uma arte de “espaços públicos”, como hospitais, escolas, aeroportos etc., mesmo
que estes espaços, reservados ao público, sejam de propriedade privada. A ideia
dominante é a de uma arte acessível fisicamente e que modifique o ambiente de
modo permanente ou temporário.
Na
década de 1970, uma política voltada para a arte pública, em países como a
Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, conseguiu subsídios para a realização de
obras que, a princípio, estariam descomprometidas com o mercado. Mas as
agências “especializadas” em arte pública começaram a se estabelecer. Era o
mercado reapropriando-se da arte pública. Essas agências passaram a
supervisionar as seleções e contratações de artistas para “projetos públicos”.
Michael
Archer nos lembra das tensões entre o público em geral e a arte, concebida com
o total “bem-estar” do público em mente. O “Arco Inclinado”, de Richard Serra,
encomendado em 1981, por um programa oficial para a Federal Plaza, em Nova York,
era uma escultura de aço, muito mais alta que uma pessoa, que cortava a praça e
restringia a visão e a circulação dos pedestres. Em 1985, os protestos das
pessoas que circulavam naquelas imediações foram tão intensos que o órgão do
governo, que havia encomendado a obra, anunciou que a removeria. Seguiu-se um
longo processo que terminou com a remoção da obra, em 1989.
Esse
episódio nos lembra os transtornos causados, recentemente, por um projeto
mirabolantemente pensado por um marchand, que levou à construção de uma
montanha de terra numa praça entre as avenidas T-2 e T-8, em Goiânia. A
construção causou uma sensação de claustrofobia nos passantes, restringindo a
visão e impedindo o acesso das pessoas ao local. O pior, em cima desse monte de
terra, seriam colocadas duas enormes esculturas de um artista que, por
coincidência, era representado pelo marchand.
A
arte pública legítima demanda a articulação de uma ético-política que leva em
conta os ambientes, a sociedade e a subjetividade humana. Isso, em oposição ao
nivelamento imposto pelo mercado. Não basta espalhar vaquinhas de fibra de
vidro pela cidade, dizer que é projeto beneficente, que qualquer um pode ter
acesso ao projeto mediante ao envio de uma proposta e reclamar da falta de respeito
do público.
Acredito
que tem muito comprometimento envolvido no projeto Cow. Não foi o corpo da
vaquinha de certo artista - protesto contra atropelamentos - que foi vilipendiado
pelo desrespeito do público, o público é que foi atropelado pela vaca no meio
do caminho. Será que antes de colocarem a vaca no meio do caminho, alguém
divulgou nas periferias a possibilidade de seus artistas participarem do
projeto?
Uma
arte pública que carrega marcas de empresas privadas interrompe o fluxo do
potencial produtivo da arte de repensar o real. Como diz Guattari, o artista é
o terapeuta do real. Ajustar a arte ao mundo do útil é reduzi-la apenas a um
objeto acima do sofá, ou, se for uma vaca, comprada em um leilão, ao lado do
sofá.
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