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domingo, 18 de março de 2012

As saias de Flávio de Carvalho


“A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de forma contínua sua relação com o mundo” (Guattari)

Flávio de Carvalho (1899-1973)

            Depois da segunda metade do século XX, manifesta-se, com maior intensidade, uma corrente de ideias experimentais que propõe introduzir uma relação mais imediata entre arte e público, com o objetivo de fazer o espectador participar na própria elaboração da obra, fazendo-o partilhar do tempo da criação.
            De um modo geral, práticas muito difundidas nas décadas de 1960 e 1970, como assemblage, ambiente, land art, fluxus, povera etc., buscam o impacto social. De um lado, querem fugir do mercantilismo existente na arte e na sociedade, do outro lado, não se conformam com as formas tradicionais da pintura e da escultura, e desejam incluir na arte todo objeto cotidiano: elementos reais e os sujeitos situados de maneira casual em um ambiente e suas vivências.
            Todas essas práticas baseiam-se em fazer com que as pessoas saiam de suas rotinas e vejam uma vida diferente. Elas incitam a produção de uma vida cotidiana enquanto obra de arte, opondo-se à reificação e à divisão da experiência em pequenas unidades separadas. Nesse sentido, há uma demanda para que o sujeito não seja apenas um espectador, mas que, também, participe da obra. Ou seja, a participação do público é fator chave na ativação ou efetivação de tais propostas.
            No Brasil, muito antes desses experimentos relacionais dos anos 1960 e 1970, ou seja, da ênfase nas trocas sociais como meio de realização de propostas artísticas, Flávio de Carvalho já buscava uma maior relação entre arte e público. Antes da consolidação do termo “performance”, Carvalho utilizava a palavra “experiência” para denominar suas práticas interdisciplinares, desvinculadas das categorias artísticas tradicionais.
            Em 1931, Carvalho realiza sua “Experiência No. 2”. Nela, o artista caminha na contramão do fluxo de uma procissão de Corpus Christi, mantendo um boné na cabeça, o que na época era considerado extremamente ofensivo. O artista só não foi linchado na ocasião graças à intervenção da polícia. Flávio de Carvalho resume essa experiência na tentativa de testar a in/tolerância da comunidade religiosa.
            Em “Experiência No. 3”, em 1956, bem aos padrões dos happenings — cujo conceito começava a se sedimentar nos Estados Unidos —, o artista desfilou pelo centro da cidade de São Paulo com seu “new look”, ou traje de verão masculino. Segundo Carvalho, esta seria a roupa mais adequada ao clima tropical: saia, blusa de mangas fofas, chapéu de organdi e meias arrastão.
            A atitude questionadora de Flávio de Carvalho sem dúvida influenciou gerações de artistas brasileiros posteriores. Eduardo Kac (mais conhecido pela criação de GFP Bunny, a coelhinha fluorescente), no começo dos anos 1980, em referência à performance de Flávio de Carvalho, realiza o seu “poema pornô”, em que desfila por vários locais da cidade do Rio de Janeiro usando uma mini-saia rosa choque e declamando poemas “pornográficos”.

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