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quarta-feira, 28 de março de 2012

gesto de artista

patrícia ferreira - óleo sobre tela

“A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de forma contínua sua relação com o mundo.” (Guattari)

            Eu sempre me considerei uma artista, mesmo antes de saber o que significava ser artista. Sentia um grande impulso para exercitar minha subjetividade, mas acabava me confundindo, reduzindo o valor desse exercício de subjetividade diante da demanda para produzir objetos acabados. Mas a busca pela “beleza”, pelo ornamento, pelo resultado aceitável para o consumo, me causava grande insatisfação. Era como se um poder arrebatador fosse domado pelo ornamento. Lembro-me o quanto me senti satisfeita quando li, num pequeno livro do Gullar, que o Cézanne dizia que “o acabado é o prazer dos imbecis”. A rejeição de Cézanne ao acabado implica na concepção da obra de arte como uma experiência permanentemente aberta, uma incessante busca e uma incessante descoberta. Trata-se da rejeição de normas e soluções preestabelecidas, com o objetivo de manter o frescor e a surpresa da criação artística. É isso que separa o artista do artesão.
            Depois de conhecer o Eduardo Kac, durante um curso de holografia que ele deu aqui em Goiânia, em 1988, essa busca pela experiência e pela invenção só ficou mais intensa. Naquele tempo, o Eduardo Kac já falava de Internet, que, na época, era a Minitel, falava de arte digital, telepresença, bioarte, criação de avatares para fazer arte interativa em rede etc. Isso tudo parecia muito louco e muito excitante. Essas ideias ficaram martelando na minha cabeça de um tanto que acabei fazendo um doutorado, na área de estudos literários, na linha de pesquisa poéticas da modernidade, misturando visualidade, arte e tecnologia. O título da minha  tese é “O Ver Poético: Arnaldo Antunes e Eduardo Kac”. Meu interesse, na tese, era de entender a obra de dois poetas/artistas que lançavam mão de procedimentos computacionais em seus processos criativos. Mas o trabalho não ficou apenas na teoria, para fazê-lo, acabei desenvolvendo um projeto prático, o Di(per)versões Eletrônicas, para entender o que acontecia com a arte e com o artista utilizando esse novo meio que é o computador. 
            Essa experiência com o meio digital mexeu comigo. A estética digital combina com a minha visão da ética do artista. Para mim, o artista não deve se resumir à fabricação de artefatos belos, o artista deve produzir relações com o mundo através de objetos, signos, gestos, formas, tudo ordenado segundo uma visão do mundo e da arte. Eu adoro uma frase do Felix Guattari que diz o seguinte: “a única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma subjetividade que enriqueça de forma contínua sua relação com o mundo”. É isso que eu procuro fazer com minha arte e, de quebra, acabo trabalhando para uma re-significação do real. Mas você pode me perguntar, “como assim?”. De forma a não duplicar os modelos doentios que existem no mundo atual, um dos piores deles sendo as relações do mercado econômico. Quero que todos possam fruir o meu trabalho, tudo que faço está na web. Se alguém gosta de um trabalho meu e quiser colocá-lo na parede, eu dou o trabalho de graça. Na verdade, eu tenho chamado meu trabalho de “gesto de artista”. O gesto pode se fixar numa moldura em alguma parede, mas, a partir de sua digitalização, ele fica pra sempre compartilhado com todos, na sua “aura digitalizada” em bits. Tem um artista italiano, o Piero Manzoni que, em 1961, numa atitude contrária ao mercado e à arte tradicional, inventou o “fôlego de artista”, a obra era literalmente o seu sopro num balão inflado. Imagina o que o Manzoni teria feito se tivesse uma internet?
            Eu criei o blog patworkpat http://patworkpat.blogspot.com/, onde publico meus gestos de artista, como eu denomino minhas pinturas. O bom do patworkpat é que ele não deixa os meus gestos enquadrados na parede, podem até ficar, mas suas almas de bits estão voando por aí e criando outra economia para a minha arte. A imagem digitalizada continua minha, mas também é de todos que queiram compartilhar esse gesto. 


2 comentários:

  1. Adorei o texto e até fiz um second life também.

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    1. Que legal! Adoro explorar essas ferramentas maravilhosas que a internet nos oferece!

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